sexta-feira, junho 30, 2006

Desbravando um Secret Spot – Um relato de um maluco que foi na onda do outro

Tomando uma decisão não muito inteligente

Parecia mais um dia atípico de ondas boas, fortes e tubulares no Grumari, mas aquele dia me reservava muito mais do que minha mente e o meu corpo cansado poderiam esperar.

Primeira caída de 2h com direito a alguns tubos, dois rolos bons, uma batida inversa na cara e até um ARS(1). Ah, sem esquecer os inúmeros caldos, lógico. Estava saciado. Fui pra areia descansar e lamentar que a minha pequena não estava comigo para compartilhar aquele dia maravilhoso de outono de muito sol e praia.

Tudo normal. Normal até chegar o Felipe, vulgo Pudim. O mais viciado e fominha de todos do Gruma. Aquele que chega às 6 da manhã, inferniza a vida dos pobres mortais free surfers, pára para almoçar (sim almoçar) e volta para mais uma infernizadinha, quem sabe uma terceira.

Bom, estava eu quieto e calado como sempre (um rapaz discreto), quando comecei a escutar uns “uhusss”, “nooossa”. Fiquei procurando o que causava tamanho espanto. Será que é alguma mulher? Será que são as ondas? - estavam boas, mas não eram dignas de berros – enfim, pensei comigo: Esse cara tá me zoando ou algum outro maluco aqui por perto. Sinceramente, eu realmente achei que ele estava de sacanagem, mas como bom observador e acima de tudo, curioso de plantão, fiquei “escaneando” a área com o meu olhar de lince. Até que: Pera aí, acho que vi uma baforada!(2) Não, é coisa da minha imaginação. Opa! Mais outra! Dessa vez eu vi.

Pudim não estava maluco. Muito menos zoando alguém. Realmente consegui ver ótimas ondas quebrando. Não ali, logo na nossa fuça. Mas lá na segunda ilha, em frente ao Grumari. Coisa de mais ou menos uns quatro quilômetros longe dali.

Felipe, fominha do jeito que és, não se agüentou mais e começou a comentar com todos que estavam ao seu redor: “Cara, tá rolando altas ondas lá na ilha.” “Quem se habilita?” “São uns 25 minutos daqui até lá.” Eu que nunca fui um aventureiro nato - para falar a verdade mais um cagão nesse sentido do que qualquer outro – respondi prontamente: “Demoro! Vambora!” Resumindo: chamei meus dois irmãos, comemos uma besteira qualquer, guardamos as coisas no carro e lá fomos nós. Eu, Pudim (o vicí), PG (meu irmão mais velho e tão ou mais vicí que o pudim) e Duda (meu irmão mais novo que já estava a muito sem dar uma caidinha básica).

Logo no começo um teste de bravura: a corrente estava de leste (ou seja, puxando para esquerda) e quem conhece o Grumari sabe que as ilhas são mais ou menos em frente à praia (antes das pedras). Só tínhamos uma alternativa para varar a arrebentação e chegar pelo menor caminho: sair pela praia dos pelados, mais conhecida por Abricó. Um pequeno problema: lá só se entra pelado!

“Não tem problema, vamos entrar correndo e sair entrando na água.” Adivinha quem foi o primeiro? Lógico, ele, Mr. Pudim. Saiu correndo e foi direto para o outro lado da praia. Os naturistas quase não o perceberam, só perceberam porque logo a seguir vinham mais três buchas, tímidos e envergonhados que entraram tão devagar quanto os peladões que lá se divertiam. Não demorou muito para o primeiro guardinha (pelado, lógico) vir nos dar uma dura. Explicamos a história, que estávamos ali só de passagem e ele entendeu. Mas logo depois veio o comparsa dele, o negão. O cara já veio puto, falando que ali só podia entrar se estivéssemos nus, patati, patatá. Porra, o negão ainda me vem com aquela merda apontada pra mim. Não deu outra: eu e Duda partimos pra água e vazamos. Já meu outro irmão, prolixo por natureza, cientista social por profissão, quis ficar trocando idéias e figurinhas com o negão. Fala sério. Bom, mas isso foi só o capítulo “Praia dos Pelados”. Continuemos.

A viagem

Nos reunimos um pouco depois da arrebentação e traçamos o nosso plano. Bom, nosso não né, do Pudim, que há essas horas não agüentava mais tanta demora. “Galera vamos remar até a primeira ilha para pegar a proteção que ela está fazendo da corrente e depois vamos fazer uma diagonal para segunda ilha.
"Combinado?” Assim foi feito.

No meio do caminho ele reclamou que estávamos muito devagar e que o vento poderia entrar a qualquer momento e estragar nossa aventura. “Vamos remar mais forte. Vamos dar um gás!” Mole. Pra quem é professor de educação física e está quase todo dia na praia, isso até que é moleza. Agora, já eu e Duda... Lógico, ficamos para trás. No primeiro pelotão iam fominha 1 e fominha 2.

25 minutos depois... Chegamos à primeira ilha. Linda, imponente como parecia da areia. Lá estavam alguns pescadores que provavelmente pegaram uma carona com algum barco. Estavam se dando bem com a pescaria. Só no curto espaço de tempo que demoramos para atravessá-la, vi um deles pegando dois peixes de uns três palmos mais ou menos. Era a hora do gás final e Pudim anunciou: “Galera, estamos chegando. Quem quiser fazer xixi que faça logo, mais à frente a corrente leva e tem perigo de peixes um pouco maiores nos descobrirem."
Levei na esportiva, sabia que ele estava brincando. Ou será que não? Tratei de tentar de me aproximar mais do primeiro pelotão. Quem disse que consegui? A essa altura eu e Duda já estávamos botando os bofes pra fora e vagabundo remando com perna e braço: “Vai assim que é mais fácil.” Tá bom. Seus 25 minutos já tinham passado há tempos e ainda nem estávamos na metade do percurso.

Comecei a relaxar. Desencanei quando vi que não podia com eles. Já era para ter feito isso bem antes, mas... Pensei num detalhe importante: que valeria remar os malditos quatro quilômetros se quando chegássemos lá, não sobrassem ondas para mim. Putz! Já era, não dava mais para desistir.

Pensei na vida, na natureza e nas coisas que realmente me fazem me sentir vivo. Definitivamente aquele contato com a natureza, com o mar, era uma delas. Aliás, o que somos nós no meio desse monte todo de água? Nothing, baby. Estamos vivos porque alguém quer. Coisas como essas passavam pela minha cabeça naquele momento. Ah, a minha namorada. Será que ela remaria até ali? Lógico que não. Então, repentinamente voltei aos pensamentos mundanos: bom, se eu comprasse uma lancha ou um veleiro ela conheceria aquilo tudo. Prometi que iria trabalhar para dar a ela e a mim esse prazer.

Passada a primeira ilha, pude ver que as costas dela nada tinham a ver com o que eu imaginei. Na frente ela tem uns coqueiros, um avanço mais à frente. Atrás ela é reta. Desbundada a coitada. Que droga! Sempre imaginei diferente. Bom, essa não era a única coisa que tinha imaginado diferente. Também tinha imaginado que seria bem mais rápido, como o Pudim havia dito, e que seria muito menos desgastante. Vá lá, a viagem já estava valendo todo o cansaço.

A corrente forte que estávamos esperando não rolou. Apenas sentimos que as ondulações depois da ilha já eram um pouco maiores e todos se animaram. Realmente as nossas previsões de que na ilha tinham altas ondas estavam prestes a serem concretizadas. Faltavam uns 300 metros. Para o primeiro pelotão, apenas 50. Já dava pra ver que volta e meia as baforadas aumentavam e os tubos eram iminentes.

Colhendo os frutos do nosso esforço

Chegamos. Logo de cara Pudim saiu entrando no pico e se posicionando para pegar a primeira onda. Esse primeiro contato é uma experiência única. O pico (3) fica numa laje que se inicia com uma pedra maior nem um pouco amigável com vários mariscos e crácas afiadas. De dar medo até ao mais... fominha. Pudim demorou uns dez minutos para pegar a primeira onda. Uma onda que chega como uma ondulação oceânica e que encontra com uma superfície um milhão de vezes mais rasa do que a 10 m antes. Resultado: uma onda que roda quase parada numa bancada de nada mais, nada menos que 50 cm sobre uma pedra preta e nada amigável. Tem que ter culhão. Um erro e o beijinho na pedra é certo.

Quebram três tipos de onda nessa bancada. Uma que quebra exatamente em cima da pedra que não dá para ser surfada; outra que vem contra, na direção da ilha e que joga em cima da pedra com mais força ainda; e a terceira que vem da ilha e tem o tubo mais maravilhoso de todos. Uma onda forte, com a boca larga, como tipicamente é em cima de uma bancada dessas.

Não aconteceu como eu e Duda pensávamos: “Eles vão chegar antes, testar o pico, se cansar e aí a gente entra e se dá bem.” Quem disse que eles conhecem a palavra cansar?

A primeira onda do Felipe já nos disse o que estaria por vir. Parece até que ele esperou o momento certo para pegar a ideal para nos mostrar toda a capacidade do pico. Quando se aproximou aquela direita espetacular nós estávamos sentados do lado de fora do picadeiro como se estivéssemos numa platéia. Frisa lateral. Era essa a visão que tínhamos. Pudim foi preciso ao dropá-la(4). Remou um pouco mais pra dentro do pico e se jogou de um lip(5) forte e grosseiro o bastante para tirar a vida de uma pessoa forte e corajosa, mas que diante de tamanha força da natureza se transforma num nada. Os próximos segundos seguiram-se como num bom vídeo produzido por uma boa marca de surf: um tubo largo, profundo e pra completar a cena antológica: uma bela baforada. Uma daquelas que podíamos ver lá da areia. Muitos gritos e “uhuuuus” depois concluí que aquela exibição da natureza tinha um recado: “Usufrua, mas com moderação. Afinal, eu estou no comando aqui.” E realmente estava. Estava no seu habitat natural. Completamente selvagem e nem um pouco domesticada.

Depois as coisas aconteceram mais ou menos como pensávamos. Muito tubo, muita onda boa, boas risadas e êxtase total.

Nas minhas primeiras ondas eu estava visivelmente atormentado com as coisinhas não identificadas que passavam embaixo de mim a uma velocidade grande. Tirei dois tubos, sendo que um valeu por toda aquela remada até ali. Quase do naipe do primeiro do Pudim: intenso, mas bem menos profundo e consistente.

Depois de umas 2h horas de caída, Pudim já surfava como se estivesse num fundo de areia completamente inofensivo. Sentia-se em casa. Pegava as da série, mandava rolo na boca, ARS thru the lip e tudo mais que nem eu bêbado ou fora do meu discernimento mental ousaria tentar.

Enquanto esperávamos nossos “expressos”, algumas ondas pequenas secavam a laje que estava embaixo de nós (quando a pedra sorri, dizem os especialistas no assunto) e podíamos ficar em pé sobre ela. Era divertido e até útil para descansar um pouco, mas tinha que ser alerta total. Uma onda inofensiva dessa vinha seguida de uma maior que estourava no mesmo lugar tranqüilo de segundos atrás com uma força que devia beirar uma tonelada fácil.

O susto

O momento mais marcante foi uma onda do meu irmão Duda que pensamos seriamente que a brincadeirinha tinha se tornado um problema. Ele era o que menos estava à vontade no pico. Na verdade, esse pico era pequeno, apertado e só uma pessoa podia surfar uma onda de cada vez. Isso requeria uma certa ordem no “terreiro”. O cidadão educado pegava a sua e esperava na fila, mas LÓGICO, esse sistema não funcionou por muito tempo e as merdas não tardaram a dar. Essa foi uma: onda da série, forte, naquele estilo. Duda na prioridade, Felipe em cima “Tu não vai eu vou, tu não vai eu vou”. Típico de quem gosta muito. Frações de segundo de tensão e lá vai o Duda: “Eu vou”, descendo a onda todo torto e sem confiança na base(6), com uma cara de “Caralho, deu merda!” A onda quebra, sobe espuma, sobe branquinho, bolinha, “Cadê esse muleque?” Já ia começar a remar para o resgate fatídico quando me aparece a prancha e ele com outra cara pior ainda, como quem diz: “me safei dessa vez, graças a Deus” (nessas horas todo mundo esquece que é ateu). Depois do susto e o “Puta, não foi dessa vez” nós conversamos com ele para ver se estava tudo bem e perguntamos da aventura no fundo do mar. Incrivelmente ele não encostou em nada. Nenhum arranhão. Saiu ileso!

Continuamos mais um tempo, surfando ondas já não tão boas quanto antes. O vento havia entrado e já começava a destruir a boa formação das ondas. Pudim olhou o relógio e disse que havia perdido a hora. Pensei que tinha me livrado dos meus pecados na vinda e depois do primeiro susto, mas não era bem assim.

O retorno guardava mais uma surpresa

Começou quando ele falou que ia na frente, PG foi atrás. Eu e Duda, body boarders experientes, mas nem um pouco munidos de coragem como os outros dois, tratamos de ir em seguida. Tá maluco? O pico tinha começado a ficar com peixe demais para gente de menos. No meio do caminho relaxamos. Não valia a pena correr. Ficamos para trás e encaramos uma rede daquelas que ficam estendidas para pegar alguns peixes grandinhos até demais para o nosso gosto. Passamos longe e seguimos confiantes na vitória. Metros à frente: Duda pára e começa a vomitar. Uma, duas, três vezes. Uma atrás da outra. Porra, e agora? Mais uma vez me vi numa situação meio difícil. O que fazer? Esperar? Socorrê-lo? Ele parou, descansou, se recuperou e seguimos viagem (depois descobri que aquela bosta de Torcida não tinha caído muito bem).

Quando chegamos na areia, a namorada do meu irmão mais velho nos esperava com umas amigas. Quase não pude cumprimentá-las. Minhas pernas já não respondiam mais. Só pensava na hora de ir para casa, tomar um belo banho e comer. Comer muito e me recuperar para contar esta história que eu acabei de contar.

1- Manobras de Body Board
2- Aquele spray que rola depois de quebrar um tubo, normalmente abrindo
3- Lugar onde quebram as ondas
4- Descer a onda
5- Crista da onda
6- Posição que se segura melhor a prancha