quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Eterno Aprendiz

Recolho minhas anotações e vejo-as tão embaralhadas quanto a minha vida e a razão de se viver.

A minha sinceridade e as minhas convicções estão espalhadas pelos cantos do quarto.

O sonho de respirar novidades, o ânimo de continuar provando...

Às vezes, a busca constante pelo ineditismo das coisas nos ofusca a verdade que está diante de nossos olhos: nós é que temos que nos reinventar sempre. Nós é que temos de enxergar as coisas por um novo ângulo. Pensar diferente.

Talvez isso amenize o nosso sofrimento e nos alerte para o que realmente interessa. Nascer diariamente.

Arrependimento

A minha cara de babaca denunciava a decepção por mais um erro estúpido. Há duas horas a mulher da minha vida partira sem dizer pra onde, deixando como única resposta ao meu pedido de perdão o eco estridente da porta batida na cara.

A famosa frase: “homem é tudo igual”, tantas vezes ignorada pelo simples fato de nunca ter corroborado para que fizesse sentido, agora latejava de cinco em cinco minutos na minha cabeça.

Era impressionante como um rabo de saia somado àquela gelada depois do trabalho poderiam causar tamanho estrago.

Agora estava ali. De frente ao espelho, ruminando toda a história cena por cena. Será que valeu a pena? Sim, era ma-ra-vi-lho-sa. Mas quarenta minutos de pura depravação e promiscuidade acabaram com uma relação de dez anos.

A tolice. A futilidade de agir por um impulso idiota, rendiam-me uma ressaca moral incrivelmente devastadora.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Boa Bahia

A Bahia de todos os santos fervilha em Axé.

Terra prometida aclamada por portugueses, ingleses e toda sorte de gringo desde 1500 é pura ebulição.

A fartura inquestionável nasce em árvores frutíferas, coqueiros, praias ou bundas. E toda essa beleza pronta para fulminar mais um olhar distraído.

Nos seios e sorrisos que brotam aqui ou acolá, descobrimos que a felicidade emana constantemente. Beleza e energia positiva vivem misturadas em um só lugar.

Porém, com tantos predicados, há quem possa se embriagar com tamanho exagero. Mas vá lá: porre de alegria sempre faz bem.

Mais um Verão

Naqueles dias, Cida acordava de bom humor. Apesar de não gostar de acordar cedo, apressava-se em se aprontar. Colocava as havaianas, espalhava o protetor ainda em casa e separava todo o seu kit praia: canga, frescobol, barraca e cadeira.

Não usava biquínis muito ousados, mas empenhava-se em andar na moda e chamar a atenção. Naquele verão em especial, tinha comprado aqueles óculos que eram o dobro do seu rosto. Sentia-se a própria Kate Moss.

Ficava em média quatro horas na praia. Dez minutos para modelar meticulosamente a sua cama de areia e estender a canga, mais dez para armar a barraca e colocar a cadeira do lado, apesar de quase nunca usá-las, afinal, tinha que chegar bronzeada no trabalho na segunda. O resto do tempo alternava entre aprender a jogar frescobol com as amigas (todo verão tentava. Achava o máximo aquelas pessoas que jogavam numa velocidade impressionante), fofocas e mergulhos esporádicos quando o mar estava mais tranqüilo.

Porém, aquele dia, o dia tão esperado daquelas semanas de final de ano que danam a ser corridas, mas danam a não acabar, tinha um algo a mais que ela não esperava.

Não havia uma só nuvem no céu, mas aquela loira oxigenada da previsão do tempo insistiu a semana inteira que iria chover. Devia ser inveja, ela devia trabalhar aos sábados. Mas o fato é que ninguém, absolutamente nobody tinha acreditado nas palavras da mulher do tempo, até porque, a começar pelas suas madeixas ela não era lá muito convincente. Resultado: todo o Rio de Janeiro tinha decidido fazer o mesmo que Cida, aproveitar um típico dia de sol e praia escaldantes. Tanto que para conseguir aquela ínfima extensão de areia para esticar o seu corpinho tinha sido uma disputa e tanto.

Mas não desanimou. Estava lá, firme e forte, tostando de um lado e quarando de outro, sentindo aquele odor de sundown e suor que tanto lembrava a sua infância na lagoa de Araruama (ainda limpa) e fazendo uma fofoca básica com as amigas sobre a bunda do negão de sunga branca logo ali frente.

Terminado o assunto, levantou-se, conferiu minuciosamente a marquinha do bronzeado, ajeitou o biquíni com aquela delicadeza sedutora, sabendo que algum homem se deleitava com aquela tortura bem próximo dali e conduziu seu corpo seminu para a água.

Esquivando-se de choro de criança, ambulante atochado de bugigangas e do altinho da rapaziada, conseguiu encostar o singelo pezinho na água. O arrepio que correu-lhe a espinha lembrou-a da frase costumeira. “Ai, que frio.” Depois ficou ali, parada, esperando o corpo se acostumar e pensando se valeria a pena jogar fora os 50 reais da escova do dia anterior.

E como a espera foi grande, talvez uns 5 minutos, ela se chegou. Veio sem ser percebida, sem ser notada (algo improvável numa praia com tantos olhares atentos). Deu apenas um aviso: gotejou uma, duas vezes no busto de Cida e desabou. Levantou aquele cheiro próprio de verão, com o vapor d’água subindo e as pessoas fugindo da praia.

Cida continuou ali. Lembrando as longínquas tardes de verão em que adorava brincar na chuva sentindo aquelas gotas enormes estourarem de encontro ao seu corpo pequeno e sensível, sentindo o cheiro do chão molhado e sorrindo. Sorrindo por dentro e por fora, mas com uma leve pitada de medo da incerteza das forças da natureza, dos trovões e de tudo que a fazia lembrar que a vida era assim: inusitada, imprevisível, tênue e simples. Simplesmente bela como mais um verão.