sexta-feira, janeiro 09, 2009

Boa Bahia

A Bahia de todos os santos fervilha em Axé.

Terra prometida aclamada por portugueses, ingleses e toda sorte de gringo desde 1500 é pura ebulição.

A fartura inquestionável nasce em árvores frutíferas, coqueiros, praias ou bundas. E toda essa beleza pronta para fulminar mais um olhar distraído.

Nos seios e sorrisos que brotam aqui ou acolá, descobrimos que a felicidade emana constantemente. Beleza e energia positiva vivem misturadas em um só lugar.

Porém, com tantos predicados, há quem possa se embriagar com tamanho exagero. Mas vá lá: porre de alegria sempre faz bem.

Mais um Verão

Naqueles dias, Cida acordava de bom humor. Apesar de não gostar de acordar cedo, apressava-se em se aprontar. Colocava as havaianas, espalhava o protetor ainda em casa e separava todo o seu kit praia: canga, frescobol, barraca e cadeira.

Não usava biquínis muito ousados, mas empenhava-se em andar na moda e chamar a atenção. Naquele verão em especial, tinha comprado aqueles óculos que eram o dobro do seu rosto. Sentia-se a própria Kate Moss.

Ficava em média quatro horas na praia. Dez minutos para modelar meticulosamente a sua cama de areia e estender a canga, mais dez para armar a barraca e colocar a cadeira do lado, apesar de quase nunca usá-las, afinal, tinha que chegar bronzeada no trabalho na segunda. O resto do tempo alternava entre aprender a jogar frescobol com as amigas (todo verão tentava. Achava o máximo aquelas pessoas que jogavam numa velocidade impressionante), fofocas e mergulhos esporádicos quando o mar estava mais tranqüilo.

Porém, aquele dia, o dia tão esperado daquelas semanas de final de ano que danam a ser corridas, mas danam a não acabar, tinha um algo a mais que ela não esperava.

Não havia uma só nuvem no céu, mas aquela loira oxigenada da previsão do tempo insistiu a semana inteira que iria chover. Devia ser inveja, ela devia trabalhar aos sábados. Mas o fato é que ninguém, absolutamente nobody tinha acreditado nas palavras da mulher do tempo, até porque, a começar pelas suas madeixas ela não era lá muito convincente. Resultado: todo o Rio de Janeiro tinha decidido fazer o mesmo que Cida, aproveitar um típico dia de sol e praia escaldantes. Tanto que para conseguir aquela ínfima extensão de areia para esticar o seu corpinho tinha sido uma disputa e tanto.

Mas não desanimou. Estava lá, firme e forte, tostando de um lado e quarando de outro, sentindo aquele odor de sundown e suor que tanto lembrava a sua infância na lagoa de Araruama (ainda limpa) e fazendo uma fofoca básica com as amigas sobre a bunda do negão de sunga branca logo ali frente.

Terminado o assunto, levantou-se, conferiu minuciosamente a marquinha do bronzeado, ajeitou o biquíni com aquela delicadeza sedutora, sabendo que algum homem se deleitava com aquela tortura bem próximo dali e conduziu seu corpo seminu para a água.

Esquivando-se de choro de criança, ambulante atochado de bugigangas e do altinho da rapaziada, conseguiu encostar o singelo pezinho na água. O arrepio que correu-lhe a espinha lembrou-a da frase costumeira. “Ai, que frio.” Depois ficou ali, parada, esperando o corpo se acostumar e pensando se valeria a pena jogar fora os 50 reais da escova do dia anterior.

E como a espera foi grande, talvez uns 5 minutos, ela se chegou. Veio sem ser percebida, sem ser notada (algo improvável numa praia com tantos olhares atentos). Deu apenas um aviso: gotejou uma, duas vezes no busto de Cida e desabou. Levantou aquele cheiro próprio de verão, com o vapor d’água subindo e as pessoas fugindo da praia.

Cida continuou ali. Lembrando as longínquas tardes de verão em que adorava brincar na chuva sentindo aquelas gotas enormes estourarem de encontro ao seu corpo pequeno e sensível, sentindo o cheiro do chão molhado e sorrindo. Sorrindo por dentro e por fora, mas com uma leve pitada de medo da incerteza das forças da natureza, dos trovões e de tudo que a fazia lembrar que a vida era assim: inusitada, imprevisível, tênue e simples. Simplesmente bela como mais um verão.