sábado, agosto 19, 2006

Volta

Agora só restam
olhos para o outro.

Minha luz
já não te alumia.
Meu fogo
já não te esquenta.

Nem ao menos
sentes pena de mim.
Apenas me ignora.

Me cospe, me ama.
Me beija de novo.

Com o leão na cabeça

Era um redator veterano. Um autêntico publicitário sem diploma com seus 20, quase 30 anos de carreira. Tinha visto de tudo nesse mundinho: a ascensão do garoto chamado Washington, a invasão das multinacionais e as posteriores fusões com as nacionais, a publicidade do Rio sendo maior que a de São Paulo,... Escreveu inclusive na ditadura. Treze leões em Cannes, uma centena de shorts lists e inúmeros outros prêmios conquistados em diversas partes do planeta. Um verdadeiro mago da publicidade nacional. Uma espécie de papa.

Há tempos, tinha se encostado como VP de criação em uma agência do Rio – perto de casa que é pra não cansar. Afinal, a época de virar noites já havia passado. Mas mesmo assim continuava a escrever com maestria:

- Valtinho, tô precisando de um título. O estagiário não está muito inspirado, hoje.

Enquanto o outro falava, ele já pensava no produto, no brienfig que já tinha visto uma vez, a pertinência e pá! Menos de cinco minutos:

- Nossa! Era exatamente disso que eu estava falando. Sensacional! Valeu.

E assim como esse pedido, chegavam vários:

- Valtinho, tô sem um conceito bom pra essa campanha para lançar uma nova frauda hidratante para bebês com bunda ressecada.

Quinze minutos mais tarde: pow!

- Do caralho!

Chegava o coroa com um conceito que amarrava uma campanha de trinta peças.

Era assim a mais ou menos 10 anos, quase 20. O cara era bom mesmo. Tinha seu nome estampado em quase todas as edições dos anuários de propaganda do Brasil. CCRJ, CCSP, CC não sei mais o quê. Viu o ápice, viu a recaída e agora assistia com uma certa satisfação de pai, a estabilização da propaganda nacional.

Dia desses, acordou meio indisposto, mas mesmo assim leu os costumeiros cinco jornais matinais, tomou seu café e foi pra agência. Chegando lá, ganhou mais um tapinha nas costas e o milésimo parabéns pelo milésimo prêmio que ganhara em algum lugar do planeta e que tinha saído naquela manhã em alguma fonte especializada. Soube de mais uma agência que ia fechar e teve a certeza de que, como de costume, o seu dono ia abrir mais outra na semana seguinte com outro nome. Previsível. Mas naquela manhã as coisas estavam diferentes para ele. O tapinha que havia levado nas costas não trouxe nenhum orgulho, nenhuma satisfação. Os cinco briefings que o atendimento lhe passou não lhe deram o menor tesão. Mesmo um sendo para indústria de bebidas, que era a sua especialidade. Achou que ali era o fim. E realmente a coisa começou a desandar.

Parou de freqüentar os botecos com o pessoal da criação, ir aos almoços do mercado, parou de conversar com qualquer um na rua, seu hobby predileto - achava que essa era a melhor escola de antropologia. Enfim, encheu-se. Perdeu o saco para a vida de VP/ bom vivan profissional. Cansou.

Começou a beber de fontes e referências equivocadas. Teve pesadelos com campanhas fantasmas que fez quando tinha 17 anos, sonhou até que tinha sido mandado embora e tinha começado a trabalhar em uma agência de varejo. Sua criatividade já não era mais a mesma. Ou passava demais ou travava naquela idéia mal resolvida. Só saía sheetstorm. Os pedidos para que ele resolvesse um problema começaram a sumir. Não fazia mais nada. Só recolhia o seu pomposo salário no final do mês. Perdeu a validade.

No festival de Cannes daquele ano, Valtinho resolveu fazer um protesto. Botou seus leões embaixo do braço, passou no circo mais próximo do lugar onde iriam acontecer as premiações e roubou outro leão. Dessa vez um de verdade. Levou o bicho pra porta do local e começou o seu discurso sobre a efemeridade da propaganda. Que ninguém tinha memória, que não lembravam mais dos publicitários do passado e etc. Depois começou a chorar. Sentia-se usado. Mais um dos milhares de produtos que ajudou a vender em toda a sua vida: descartável.

De repente, parou a choradeira e proferiu mais duas ou três palavras que ninguém entendeu muito bem, mas que um brasileiro que assistia a tudo atônito jurou que foi o seu slogan mais conhecido. Qual? Ele não lembrava. Pois foi justamente depois dessas palavras que Valtinho, como um artista circense experiente, abriu a boca do leão e meteu a cabeça dentro para o espanto da platéia. Não teve jeito, o leão fechou a boca de uma só vez. Era o fim de mais um publicitário brasileiro. Adeus prêmios. Adeus leões. Morreu como sempre sonhou: com um leão na cabeça em Cannes.

terça-feira, agosto 01, 2006

Mais uma dose

O Brasil não poderia ter perdido. Com a derrota perdi meu anel, minha dignidade e a desculpa esfarrapada para trabalhar meio expediente. Calma, eu posso explicar...

Naquele domingo cinza e frio posterior a derrota do Brasil, acordei na casa de um amigo como se tivesse acordado dentro do mar. Um mar típico dos nossos dias de inverno: com uma baita ressaca. Eram mais ou menos 14h quando eu abri meu primeiro olho e senti aquele gosto ruim de cabo de guarda-chuva na boca. Assim que o meu cérebro começou a pegar no tranco, pude perceber que o meu amigo narrava os fatos da noite anterior (péssima idéia).

- Não Frango. Ontem foi muito sinistro. A gente bebeu muito.

Bom, até aí normal. Sempre que eu me junto com eles acaba acontecendo isso.

- É, o Marrom ficou muito ruim.

Pra acordar na casa dele, de pilequinho é que eu não tinha ficado. Mas à medida que a narrativa avançava, as minhas lembranças iam sendo recobradas e a ressaca ia aumentando.

- Isso, vocês foram embora e a gente voltou de ônibus.

Puta merda! Essa foi a senha para a ressaca bater de vez. Levantei num pulo só.

- Como é que é? Voltamos de ônibus? Mas nós não estávamos de carro?

Pior que acordar de ressaca é ter que agüentar alguém rindo da sua cara pelas merdas que você não poderia ter respondido na noite anterior. Depois de momentos de suspiros e uma súbita vontade de me matar ali mesmo, admiti que não poderia voltar no tempo e que pra variar a merda já estava feita. Mas calma aí... Que merda? Então sair para beber com os amigos é merda, agora? Se ficou só na bebedeira, tá tranqüilo. Mas se por acaso... E se... Putz. Não é possível. Será que eu fiz algo demais? O problema daquela caipirinha, tequila ou qualquer destilado que você toma sorrindo é que eles te fazem esquecer a metade da missa. Por essas e por outras, comecei a fazer um esforço enorme para me lembrar do resto. Pra quê?

Comecei a questionar o meu amigo. Perguntei o que eu fiz, o que eu bebi, o que eu fumei, sei lá. O que eu tinha feito. Ele só ria. Desgraçado. O trabalho começou a ser mais doloroso do que eu imaginava. Tive que voltar às minhas últimas recordações do péssimo jogo do Brasil, que foram os meus últimos momentos sóbrio naquelas 48 horas passadas.

Lembro do primeiro tempo. Horrível. Jogo parado, cerveja quente. Uma porcaria! Segundo tempo: a mesma droga de jogo. A cerveja ainda teimava em ficar quente. Nos primeiros 10 minutos estava dormindo. Final do jogo: Brasil perdeu. O caô de patriotismo caiu por terra. É meu garoto, na próxima semana eu realmente teria que trabalhar o dia inteiro.

Ok. Enchamos a cara. O que mais a gente sabe fazer? Fogo na brasa, cerveja na caneca e bola pra dentro. Uma, duas, três, quatro... Perdi a conta. Várias canecas e lá se foi um engradado. Ih, acabou a Itaipava. E agora? Não tem problema, eu sei fazer um frozen ma-ra-vi-lho-so. E toma vodka. Meu fígado já pedia arrego. 20h. Hora de ir pra casa da patroa. Patroa? Longe. Do Recreio a Tijuca ia demorar no mínimo umas duas horas. Pra piorar, o ônibus passaria próximo ao Alzirão. Poderia sofrer represálias. Melhor não. Dormir na casa do meu amigo e ficar quieto era a opção mais prudente. Fiquei.

30 minutos depois dessa decisão, neguinho já veio com a idéia de girico:

- Barzinho na Freguesia? Vamos?

Na minha posição de convidado na casa dos outros não podia negar. Estava ao sabor da maré. Todos foram unânimes:

- Demoro!

- Agora!

Lá fomos nós. No caminho, pit stop na casa de um:

- Eu tenho um barzinho na minha casa que vocês vão gostar.

Mal sabia eu. O maldito bar era no quarto do muleque. Coisa de profissional. Um shot de tequila ouro. Outro de prata. Licorzinho? Por que não, me parece tão inofensivo. Coitado do meu fígado, o menino vinha trabalhando duro nas últimas semanas com todos esses jogos da Copa. Eis que surge uma ligação:

- É fulano. Quê? O bar que íamos está ruim. O que fazer?

Um grita:

- A solução é Guapito.

- Whath fuck?! Até então, eu não estava tão íntimo assim do recinto, mas poderia imaginar que brevemente estaria um pouco mais familiarizado.

Logo de início, descubro que a onda é pedir o balde de frozen. Ok. Que venha o bendito. Mais de 1 litro de cachaça. E desce a Solzinho:

- Não esquece o limãozinho. No início é sempre assim: tudo no diminutivo, nada lhe fará mal. Afinal, você não é mais um amador. Um franguinho qualquer.

A essas horas, o papo já estava animado, a birita já fazia bastante efeito e o som era completamente envolvente. Se botassem música baiana eu até ensaiaria umas coreografias. Estava igual a pinto no lixo, rasgando o salão. Desse momento em diante, não lembro de muita coisa. Tenho apenas flashes de memória. Lembro de ter acompanhado a galera em mais outra rodada de tequila. Dessa vez do lado de fora da boate para dar uma variada.

- Uma ouro, por fffffavorrr! Eiiiiiii! Cadê a minha tequiiiiila!

E lá veio o garçom caprichando. Pimba no balcão. Sal, limão, cara feia. Pimba pra dentro. Não estava mais pra brincadeira. O vento já soprava forte nas minhas ventas. Um peteleco e eu cairia. Aliás, foi exatamente isso que aconteceu. Não que eu me recorde, mas meus amigos juram que aconteceu. Permitam-me narrar essa cena mais detalhadamente...

Quase cinco da manhã, todos pagam a conta e saem da boate. Um resmungando por ter ficado com uma mulher obesa (ou com várias lasanhas a mais) e ela ainda ter reclamado por ele ter azarado outra na frente dela; outro reclamando do valor da conta que veio com 10%, mesmo bebendo tudo no balcão; um resignado depois da orgia e eu bêbado. Dez passos depois da porta da boate um vomita todo o churrasco de horas atrás, eu, com toda a minha desenvoltura, tropeço e caio no chão. Os outros dois riem à vontade.

Pois foi esse o saldo da merda do jogo do Brasil e do mole que o Roberto Carlos deu: menos R$ 50, uma calça podre como a de um mendigo, um anel que não sei onde foi parar, a minha dignidade abalada e muitas juras de “nunca mais beberei”. Bom, pelo menos até o próximo churrasco. “Por que que a gente é assim?”

segunda-feira, julho 10, 2006

Próxima parada: Botafogo

A distância entre a Taquara e Botafogo sempre foi grande, mas apesar dos quilômetros nunca achei que fosse demorar tanto para chegar aqui.

Desde a primeira vez que eu estagiei em uma agência júnior de publicidade até o dia 27/03/06, que foi o tão esperado dia do ok virtual para o meu novo emprego, eu penei na mão de vários empregadores e fiquei ao sabor de toda sorte que fosse possível para um pobre estudante que não tinha um peixe. Um daqueles bons que conseguem botar você para nadar ao lado dos grandes. Mas pra mim, paciência e perseverança sempre foram as maiores virtudes que um caboclo assim como eu poderia ter. Aliás, essas sempre foram as palavras que nortearam a minha empreitada de me inserir no mercado publicitário do Rio.

Por isso, o saco de trabalhar na central de telemarkeitng mais xingada de toda a face da terra. Onde as palavras de introdução de cada ligação eram, nos melhores dias:
- Puta que pariu! Mas essa merda de Telemar... E assim por diante, até chegar no:
- Me desculpe, eu sei que a culpa não é sua, mas... Ok. Tudo bem. Afinal, quem está na chuva é para ficar encharcado; por isso, os nervos de aço para trabalhar com uma mulher que, como resumiu mais tarde com perfeição o meu atual chefe: - É muito destemperada; por isso, conseguir trabalhar em outros empregos com nomes muito bonitos, mas que na realidade poderiam simplesmente ter o nome de Corno’s Job. Nossa! E não foram poucos. Paciência. Aliás, muita paciência.

Tudo isso me fazia sentir-me uma puta de luxo pronta para ser usurpada mais uma vez. Uma puta com o diploma embaixo do braço, mas sempre disposta a ser pilhada pelo primeiro que me enganasse e me fizesse permanecer sonhando e acreditando no futuro que estaria por vir.

Enfim, cá estou. Nestes últimos anos foram muitos esporros, muita chibatada no lombo, muito sapo engolido. Como diria nosso Rei do Baião: “Eu penei, mas aqui cheguei”. Cheguei com menos certeza do que ontem, mas com muito mais determinação e obstinação. Com vontade de aprender o mundo em sete dias, com mais gás, acreditando mais no meu trabalho e no retorno que ele pode me dar. Tenho noção do meu valor e sei que quero mais, muito mais.

Começo a entender a cabeça dos sonhadores: ela nunca pára, está sempre em busca do próximo sonho. Mal se realiza um e você já quer outro para suprir a falta que faz o anterior. Entendo a cabeça do moleque de Bauru que hoje vai para o espaço com um monte de russos. Sonho de criança... Pois que mandem o bauruense para cá! Porque nas estrelas eu já estou, agora só falta conquistar a galáxia, quiçá o universo. O céu não é o limite, é apenas o mínimo para a minha vontade de vencer.

Acho que no fim das contas esse meu novo emprego é o meu atalho para a próxima estação. Para o próximo desafio. Botafogo já não me parece mais tão distante. Já começa inclusive a ser um bairro hospitaleiro. Meu trabalho, minha esperança e os meus sonhos são o meu “táxi pra estação lunar” e continuarão me levando longe. Muito longe.

Esse texto foi concebido no dia 29/03/06

sexta-feira, junho 30, 2006

Desbravando um Secret Spot – Um relato de um maluco que foi na onda do outro

Tomando uma decisão não muito inteligente

Parecia mais um dia atípico de ondas boas, fortes e tubulares no Grumari, mas aquele dia me reservava muito mais do que minha mente e o meu corpo cansado poderiam esperar.

Primeira caída de 2h com direito a alguns tubos, dois rolos bons, uma batida inversa na cara e até um ARS(1). Ah, sem esquecer os inúmeros caldos, lógico. Estava saciado. Fui pra areia descansar e lamentar que a minha pequena não estava comigo para compartilhar aquele dia maravilhoso de outono de muito sol e praia.

Tudo normal. Normal até chegar o Felipe, vulgo Pudim. O mais viciado e fominha de todos do Gruma. Aquele que chega às 6 da manhã, inferniza a vida dos pobres mortais free surfers, pára para almoçar (sim almoçar) e volta para mais uma infernizadinha, quem sabe uma terceira.

Bom, estava eu quieto e calado como sempre (um rapaz discreto), quando comecei a escutar uns “uhusss”, “nooossa”. Fiquei procurando o que causava tamanho espanto. Será que é alguma mulher? Será que são as ondas? - estavam boas, mas não eram dignas de berros – enfim, pensei comigo: Esse cara tá me zoando ou algum outro maluco aqui por perto. Sinceramente, eu realmente achei que ele estava de sacanagem, mas como bom observador e acima de tudo, curioso de plantão, fiquei “escaneando” a área com o meu olhar de lince. Até que: Pera aí, acho que vi uma baforada!(2) Não, é coisa da minha imaginação. Opa! Mais outra! Dessa vez eu vi.

Pudim não estava maluco. Muito menos zoando alguém. Realmente consegui ver ótimas ondas quebrando. Não ali, logo na nossa fuça. Mas lá na segunda ilha, em frente ao Grumari. Coisa de mais ou menos uns quatro quilômetros longe dali.

Felipe, fominha do jeito que és, não se agüentou mais e começou a comentar com todos que estavam ao seu redor: “Cara, tá rolando altas ondas lá na ilha.” “Quem se habilita?” “São uns 25 minutos daqui até lá.” Eu que nunca fui um aventureiro nato - para falar a verdade mais um cagão nesse sentido do que qualquer outro – respondi prontamente: “Demoro! Vambora!” Resumindo: chamei meus dois irmãos, comemos uma besteira qualquer, guardamos as coisas no carro e lá fomos nós. Eu, Pudim (o vicí), PG (meu irmão mais velho e tão ou mais vicí que o pudim) e Duda (meu irmão mais novo que já estava a muito sem dar uma caidinha básica).

Logo no começo um teste de bravura: a corrente estava de leste (ou seja, puxando para esquerda) e quem conhece o Grumari sabe que as ilhas são mais ou menos em frente à praia (antes das pedras). Só tínhamos uma alternativa para varar a arrebentação e chegar pelo menor caminho: sair pela praia dos pelados, mais conhecida por Abricó. Um pequeno problema: lá só se entra pelado!

“Não tem problema, vamos entrar correndo e sair entrando na água.” Adivinha quem foi o primeiro? Lógico, ele, Mr. Pudim. Saiu correndo e foi direto para o outro lado da praia. Os naturistas quase não o perceberam, só perceberam porque logo a seguir vinham mais três buchas, tímidos e envergonhados que entraram tão devagar quanto os peladões que lá se divertiam. Não demorou muito para o primeiro guardinha (pelado, lógico) vir nos dar uma dura. Explicamos a história, que estávamos ali só de passagem e ele entendeu. Mas logo depois veio o comparsa dele, o negão. O cara já veio puto, falando que ali só podia entrar se estivéssemos nus, patati, patatá. Porra, o negão ainda me vem com aquela merda apontada pra mim. Não deu outra: eu e Duda partimos pra água e vazamos. Já meu outro irmão, prolixo por natureza, cientista social por profissão, quis ficar trocando idéias e figurinhas com o negão. Fala sério. Bom, mas isso foi só o capítulo “Praia dos Pelados”. Continuemos.

A viagem

Nos reunimos um pouco depois da arrebentação e traçamos o nosso plano. Bom, nosso não né, do Pudim, que há essas horas não agüentava mais tanta demora. “Galera vamos remar até a primeira ilha para pegar a proteção que ela está fazendo da corrente e depois vamos fazer uma diagonal para segunda ilha.
"Combinado?” Assim foi feito.

No meio do caminho ele reclamou que estávamos muito devagar e que o vento poderia entrar a qualquer momento e estragar nossa aventura. “Vamos remar mais forte. Vamos dar um gás!” Mole. Pra quem é professor de educação física e está quase todo dia na praia, isso até que é moleza. Agora, já eu e Duda... Lógico, ficamos para trás. No primeiro pelotão iam fominha 1 e fominha 2.

25 minutos depois... Chegamos à primeira ilha. Linda, imponente como parecia da areia. Lá estavam alguns pescadores que provavelmente pegaram uma carona com algum barco. Estavam se dando bem com a pescaria. Só no curto espaço de tempo que demoramos para atravessá-la, vi um deles pegando dois peixes de uns três palmos mais ou menos. Era a hora do gás final e Pudim anunciou: “Galera, estamos chegando. Quem quiser fazer xixi que faça logo, mais à frente a corrente leva e tem perigo de peixes um pouco maiores nos descobrirem."
Levei na esportiva, sabia que ele estava brincando. Ou será que não? Tratei de tentar de me aproximar mais do primeiro pelotão. Quem disse que consegui? A essa altura eu e Duda já estávamos botando os bofes pra fora e vagabundo remando com perna e braço: “Vai assim que é mais fácil.” Tá bom. Seus 25 minutos já tinham passado há tempos e ainda nem estávamos na metade do percurso.

Comecei a relaxar. Desencanei quando vi que não podia com eles. Já era para ter feito isso bem antes, mas... Pensei num detalhe importante: que valeria remar os malditos quatro quilômetros se quando chegássemos lá, não sobrassem ondas para mim. Putz! Já era, não dava mais para desistir.

Pensei na vida, na natureza e nas coisas que realmente me fazem me sentir vivo. Definitivamente aquele contato com a natureza, com o mar, era uma delas. Aliás, o que somos nós no meio desse monte todo de água? Nothing, baby. Estamos vivos porque alguém quer. Coisas como essas passavam pela minha cabeça naquele momento. Ah, a minha namorada. Será que ela remaria até ali? Lógico que não. Então, repentinamente voltei aos pensamentos mundanos: bom, se eu comprasse uma lancha ou um veleiro ela conheceria aquilo tudo. Prometi que iria trabalhar para dar a ela e a mim esse prazer.

Passada a primeira ilha, pude ver que as costas dela nada tinham a ver com o que eu imaginei. Na frente ela tem uns coqueiros, um avanço mais à frente. Atrás ela é reta. Desbundada a coitada. Que droga! Sempre imaginei diferente. Bom, essa não era a única coisa que tinha imaginado diferente. Também tinha imaginado que seria bem mais rápido, como o Pudim havia dito, e que seria muito menos desgastante. Vá lá, a viagem já estava valendo todo o cansaço.

A corrente forte que estávamos esperando não rolou. Apenas sentimos que as ondulações depois da ilha já eram um pouco maiores e todos se animaram. Realmente as nossas previsões de que na ilha tinham altas ondas estavam prestes a serem concretizadas. Faltavam uns 300 metros. Para o primeiro pelotão, apenas 50. Já dava pra ver que volta e meia as baforadas aumentavam e os tubos eram iminentes.

Colhendo os frutos do nosso esforço

Chegamos. Logo de cara Pudim saiu entrando no pico e se posicionando para pegar a primeira onda. Esse primeiro contato é uma experiência única. O pico (3) fica numa laje que se inicia com uma pedra maior nem um pouco amigável com vários mariscos e crácas afiadas. De dar medo até ao mais... fominha. Pudim demorou uns dez minutos para pegar a primeira onda. Uma onda que chega como uma ondulação oceânica e que encontra com uma superfície um milhão de vezes mais rasa do que a 10 m antes. Resultado: uma onda que roda quase parada numa bancada de nada mais, nada menos que 50 cm sobre uma pedra preta e nada amigável. Tem que ter culhão. Um erro e o beijinho na pedra é certo.

Quebram três tipos de onda nessa bancada. Uma que quebra exatamente em cima da pedra que não dá para ser surfada; outra que vem contra, na direção da ilha e que joga em cima da pedra com mais força ainda; e a terceira que vem da ilha e tem o tubo mais maravilhoso de todos. Uma onda forte, com a boca larga, como tipicamente é em cima de uma bancada dessas.

Não aconteceu como eu e Duda pensávamos: “Eles vão chegar antes, testar o pico, se cansar e aí a gente entra e se dá bem.” Quem disse que eles conhecem a palavra cansar?

A primeira onda do Felipe já nos disse o que estaria por vir. Parece até que ele esperou o momento certo para pegar a ideal para nos mostrar toda a capacidade do pico. Quando se aproximou aquela direita espetacular nós estávamos sentados do lado de fora do picadeiro como se estivéssemos numa platéia. Frisa lateral. Era essa a visão que tínhamos. Pudim foi preciso ao dropá-la(4). Remou um pouco mais pra dentro do pico e se jogou de um lip(5) forte e grosseiro o bastante para tirar a vida de uma pessoa forte e corajosa, mas que diante de tamanha força da natureza se transforma num nada. Os próximos segundos seguiram-se como num bom vídeo produzido por uma boa marca de surf: um tubo largo, profundo e pra completar a cena antológica: uma bela baforada. Uma daquelas que podíamos ver lá da areia. Muitos gritos e “uhuuuus” depois concluí que aquela exibição da natureza tinha um recado: “Usufrua, mas com moderação. Afinal, eu estou no comando aqui.” E realmente estava. Estava no seu habitat natural. Completamente selvagem e nem um pouco domesticada.

Depois as coisas aconteceram mais ou menos como pensávamos. Muito tubo, muita onda boa, boas risadas e êxtase total.

Nas minhas primeiras ondas eu estava visivelmente atormentado com as coisinhas não identificadas que passavam embaixo de mim a uma velocidade grande. Tirei dois tubos, sendo que um valeu por toda aquela remada até ali. Quase do naipe do primeiro do Pudim: intenso, mas bem menos profundo e consistente.

Depois de umas 2h horas de caída, Pudim já surfava como se estivesse num fundo de areia completamente inofensivo. Sentia-se em casa. Pegava as da série, mandava rolo na boca, ARS thru the lip e tudo mais que nem eu bêbado ou fora do meu discernimento mental ousaria tentar.

Enquanto esperávamos nossos “expressos”, algumas ondas pequenas secavam a laje que estava embaixo de nós (quando a pedra sorri, dizem os especialistas no assunto) e podíamos ficar em pé sobre ela. Era divertido e até útil para descansar um pouco, mas tinha que ser alerta total. Uma onda inofensiva dessa vinha seguida de uma maior que estourava no mesmo lugar tranqüilo de segundos atrás com uma força que devia beirar uma tonelada fácil.

O susto

O momento mais marcante foi uma onda do meu irmão Duda que pensamos seriamente que a brincadeirinha tinha se tornado um problema. Ele era o que menos estava à vontade no pico. Na verdade, esse pico era pequeno, apertado e só uma pessoa podia surfar uma onda de cada vez. Isso requeria uma certa ordem no “terreiro”. O cidadão educado pegava a sua e esperava na fila, mas LÓGICO, esse sistema não funcionou por muito tempo e as merdas não tardaram a dar. Essa foi uma: onda da série, forte, naquele estilo. Duda na prioridade, Felipe em cima “Tu não vai eu vou, tu não vai eu vou”. Típico de quem gosta muito. Frações de segundo de tensão e lá vai o Duda: “Eu vou”, descendo a onda todo torto e sem confiança na base(6), com uma cara de “Caralho, deu merda!” A onda quebra, sobe espuma, sobe branquinho, bolinha, “Cadê esse muleque?” Já ia começar a remar para o resgate fatídico quando me aparece a prancha e ele com outra cara pior ainda, como quem diz: “me safei dessa vez, graças a Deus” (nessas horas todo mundo esquece que é ateu). Depois do susto e o “Puta, não foi dessa vez” nós conversamos com ele para ver se estava tudo bem e perguntamos da aventura no fundo do mar. Incrivelmente ele não encostou em nada. Nenhum arranhão. Saiu ileso!

Continuamos mais um tempo, surfando ondas já não tão boas quanto antes. O vento havia entrado e já começava a destruir a boa formação das ondas. Pudim olhou o relógio e disse que havia perdido a hora. Pensei que tinha me livrado dos meus pecados na vinda e depois do primeiro susto, mas não era bem assim.

O retorno guardava mais uma surpresa

Começou quando ele falou que ia na frente, PG foi atrás. Eu e Duda, body boarders experientes, mas nem um pouco munidos de coragem como os outros dois, tratamos de ir em seguida. Tá maluco? O pico tinha começado a ficar com peixe demais para gente de menos. No meio do caminho relaxamos. Não valia a pena correr. Ficamos para trás e encaramos uma rede daquelas que ficam estendidas para pegar alguns peixes grandinhos até demais para o nosso gosto. Passamos longe e seguimos confiantes na vitória. Metros à frente: Duda pára e começa a vomitar. Uma, duas, três vezes. Uma atrás da outra. Porra, e agora? Mais uma vez me vi numa situação meio difícil. O que fazer? Esperar? Socorrê-lo? Ele parou, descansou, se recuperou e seguimos viagem (depois descobri que aquela bosta de Torcida não tinha caído muito bem).

Quando chegamos na areia, a namorada do meu irmão mais velho nos esperava com umas amigas. Quase não pude cumprimentá-las. Minhas pernas já não respondiam mais. Só pensava na hora de ir para casa, tomar um belo banho e comer. Comer muito e me recuperar para contar esta história que eu acabei de contar.

1- Manobras de Body Board
2- Aquele spray que rola depois de quebrar um tubo, normalmente abrindo
3- Lugar onde quebram as ondas
4- Descer a onda
5- Crista da onda
6- Posição que se segura melhor a prancha