terça-feira, agosto 01, 2006

Mais uma dose

O Brasil não poderia ter perdido. Com a derrota perdi meu anel, minha dignidade e a desculpa esfarrapada para trabalhar meio expediente. Calma, eu posso explicar...

Naquele domingo cinza e frio posterior a derrota do Brasil, acordei na casa de um amigo como se tivesse acordado dentro do mar. Um mar típico dos nossos dias de inverno: com uma baita ressaca. Eram mais ou menos 14h quando eu abri meu primeiro olho e senti aquele gosto ruim de cabo de guarda-chuva na boca. Assim que o meu cérebro começou a pegar no tranco, pude perceber que o meu amigo narrava os fatos da noite anterior (péssima idéia).

- Não Frango. Ontem foi muito sinistro. A gente bebeu muito.

Bom, até aí normal. Sempre que eu me junto com eles acaba acontecendo isso.

- É, o Marrom ficou muito ruim.

Pra acordar na casa dele, de pilequinho é que eu não tinha ficado. Mas à medida que a narrativa avançava, as minhas lembranças iam sendo recobradas e a ressaca ia aumentando.

- Isso, vocês foram embora e a gente voltou de ônibus.

Puta merda! Essa foi a senha para a ressaca bater de vez. Levantei num pulo só.

- Como é que é? Voltamos de ônibus? Mas nós não estávamos de carro?

Pior que acordar de ressaca é ter que agüentar alguém rindo da sua cara pelas merdas que você não poderia ter respondido na noite anterior. Depois de momentos de suspiros e uma súbita vontade de me matar ali mesmo, admiti que não poderia voltar no tempo e que pra variar a merda já estava feita. Mas calma aí... Que merda? Então sair para beber com os amigos é merda, agora? Se ficou só na bebedeira, tá tranqüilo. Mas se por acaso... E se... Putz. Não é possível. Será que eu fiz algo demais? O problema daquela caipirinha, tequila ou qualquer destilado que você toma sorrindo é que eles te fazem esquecer a metade da missa. Por essas e por outras, comecei a fazer um esforço enorme para me lembrar do resto. Pra quê?

Comecei a questionar o meu amigo. Perguntei o que eu fiz, o que eu bebi, o que eu fumei, sei lá. O que eu tinha feito. Ele só ria. Desgraçado. O trabalho começou a ser mais doloroso do que eu imaginava. Tive que voltar às minhas últimas recordações do péssimo jogo do Brasil, que foram os meus últimos momentos sóbrio naquelas 48 horas passadas.

Lembro do primeiro tempo. Horrível. Jogo parado, cerveja quente. Uma porcaria! Segundo tempo: a mesma droga de jogo. A cerveja ainda teimava em ficar quente. Nos primeiros 10 minutos estava dormindo. Final do jogo: Brasil perdeu. O caô de patriotismo caiu por terra. É meu garoto, na próxima semana eu realmente teria que trabalhar o dia inteiro.

Ok. Enchamos a cara. O que mais a gente sabe fazer? Fogo na brasa, cerveja na caneca e bola pra dentro. Uma, duas, três, quatro... Perdi a conta. Várias canecas e lá se foi um engradado. Ih, acabou a Itaipava. E agora? Não tem problema, eu sei fazer um frozen ma-ra-vi-lho-so. E toma vodka. Meu fígado já pedia arrego. 20h. Hora de ir pra casa da patroa. Patroa? Longe. Do Recreio a Tijuca ia demorar no mínimo umas duas horas. Pra piorar, o ônibus passaria próximo ao Alzirão. Poderia sofrer represálias. Melhor não. Dormir na casa do meu amigo e ficar quieto era a opção mais prudente. Fiquei.

30 minutos depois dessa decisão, neguinho já veio com a idéia de girico:

- Barzinho na Freguesia? Vamos?

Na minha posição de convidado na casa dos outros não podia negar. Estava ao sabor da maré. Todos foram unânimes:

- Demoro!

- Agora!

Lá fomos nós. No caminho, pit stop na casa de um:

- Eu tenho um barzinho na minha casa que vocês vão gostar.

Mal sabia eu. O maldito bar era no quarto do muleque. Coisa de profissional. Um shot de tequila ouro. Outro de prata. Licorzinho? Por que não, me parece tão inofensivo. Coitado do meu fígado, o menino vinha trabalhando duro nas últimas semanas com todos esses jogos da Copa. Eis que surge uma ligação:

- É fulano. Quê? O bar que íamos está ruim. O que fazer?

Um grita:

- A solução é Guapito.

- Whath fuck?! Até então, eu não estava tão íntimo assim do recinto, mas poderia imaginar que brevemente estaria um pouco mais familiarizado.

Logo de início, descubro que a onda é pedir o balde de frozen. Ok. Que venha o bendito. Mais de 1 litro de cachaça. E desce a Solzinho:

- Não esquece o limãozinho. No início é sempre assim: tudo no diminutivo, nada lhe fará mal. Afinal, você não é mais um amador. Um franguinho qualquer.

A essas horas, o papo já estava animado, a birita já fazia bastante efeito e o som era completamente envolvente. Se botassem música baiana eu até ensaiaria umas coreografias. Estava igual a pinto no lixo, rasgando o salão. Desse momento em diante, não lembro de muita coisa. Tenho apenas flashes de memória. Lembro de ter acompanhado a galera em mais outra rodada de tequila. Dessa vez do lado de fora da boate para dar uma variada.

- Uma ouro, por fffffavorrr! Eiiiiiii! Cadê a minha tequiiiiila!

E lá veio o garçom caprichando. Pimba no balcão. Sal, limão, cara feia. Pimba pra dentro. Não estava mais pra brincadeira. O vento já soprava forte nas minhas ventas. Um peteleco e eu cairia. Aliás, foi exatamente isso que aconteceu. Não que eu me recorde, mas meus amigos juram que aconteceu. Permitam-me narrar essa cena mais detalhadamente...

Quase cinco da manhã, todos pagam a conta e saem da boate. Um resmungando por ter ficado com uma mulher obesa (ou com várias lasanhas a mais) e ela ainda ter reclamado por ele ter azarado outra na frente dela; outro reclamando do valor da conta que veio com 10%, mesmo bebendo tudo no balcão; um resignado depois da orgia e eu bêbado. Dez passos depois da porta da boate um vomita todo o churrasco de horas atrás, eu, com toda a minha desenvoltura, tropeço e caio no chão. Os outros dois riem à vontade.

Pois foi esse o saldo da merda do jogo do Brasil e do mole que o Roberto Carlos deu: menos R$ 50, uma calça podre como a de um mendigo, um anel que não sei onde foi parar, a minha dignidade abalada e muitas juras de “nunca mais beberei”. Bom, pelo menos até o próximo churrasco. “Por que que a gente é assim?”

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