quinta-feira, agosto 09, 2007

O Beijo no Barro

Poderia escrever uma ficção, mas prefiro narrar os fatos pessoalmente.

Saquarema há alguns verões atrás. Provavelmente início de mais uma lombeira pós-almoço depois de uma manhã inteira na praia. Três babacas adolescentes compartilhavam do mesmo ócio “criativo”: estavam sedentos por algum motivo que os tirasse da rede.

Tudo corria no mais perfeito marasmo, quando uma voz familiar soou quebrando o mantra da siesta vespertina:

- Marrom! O final de tarde promete. Pega a prancha e partiu.
Era o então inseparável amigo de longa data de Saquá, André.

Como na época ainda gozava de plena saúde e disposição, não pensei duas vezes:

- Demoro. Partiu.

Levantei, limitei-me a acordar os inúteis que estavam ao meu lado: Davidson¹ e Frango², avisar a quem de direito (nesse caso, o dono do carro³ – meu pai) e pegar a minha prancha. Naquele momento ainda não sabia que estava prestes a ir de encontro a uma das histórias mais engraçadas de minha juventude nos verões de Saquarema.

Chegando na casa do André (ou di André, como os Saquaremenses e Niteroienses preferirão), ele desembarcou do “Bugrão” e correu para pegar a sua prancha dentro de casa. O sol já ameaçava cair e a missão deveria ser rápida. Afinal, altas ondas nos esperavam na praia.

Vocês conhecem aquelas sabias palavras: “mente parada é escritório do demônio” (mais ou menos por aí)? Pois só pode ter sido isto. Maldita hora que fui atender aos anseios de um amigo, que no momento inofensivamente só queria “sentir” o bugre!

Ok. Não vejo nenhum mal nisso.

- Vai lá.

A esta altura, Frango já caçoava por eu ter tido coragem de ter confiado tanto assim num sujeito daqueles.

Na ida, ele até me surpreendeu. Foi tranqüilo. O problema foi a volta. Ele já veio com um capcioso sorriso de canto de boca. Eu deveria ter interpretado aquele sinal a ponto de evitar o pior, mas já era tarde.

Com uma dose a mais de confiança de uma vasta experiência de ½ minuto na direção do carro (adquirida na ida), Davidson tomou uma decisão um tanto quanto idiota. Pensou: vou jogar o carro em cima deles, afinal o controle está em minhas mãos. O imbecil deu-me um pisão no freio e veio patinando por quase dos metros. Esqueceu que o chão era de barro.

-Bow!

A peculiar Uno vermelha, linda e semi nova que estava ao nosso lado ganhou um beijo de fazer inveja a qualquer par romântico de novela das oito (que na verdade é às 21h).

Uma palavra em coro:

-Caralho!

Um pensamento unânime: já era final de tarde.

Ainda teve um que tentou dissuadir a confusão e tentar me convencer de fugir enquanto ainda havia tempo. Idéia plausível, mas rapidamente descartada. As evidencias eram claras: estávamos ali na frente, provavelmente existiam testemunhas e pra piorar, o carro havia sido comprado há uma semana e era da mãe do André.

Instantes depois, me chega um André sorridente e saltitante feito um Bambi, com a prancha embaixo do braço. Ainda alheio a todo palco armado:

- Vambora, liga o carro.
Não demorou muito para ele perceber que alguma coisa de ruim havia acontecido.

- E aí, qual foi?

Surge uma última tentativa de não acreditar no que estava acontecendo:

- Nada.

Mas não teve jeito, os olhares e as atitudes não conseguiam disfarçar. Nem mesmo os olhares se desviavam da merda explícita a poucos metros dos olhos dele.

- Que merda! A minha mãe vai me matar! – Juventude sabida aquela. Pelo menos tínhamos noção de que as nossas cagadas tinham um preço.

Ainda tentamos um último subterfúgio, tentando minizar os efeitos de tamanho choque visual:

- Foi só um arranhão.

Mas não houve jeito. Lá foi o André, com muito pesar, ir de encontro a fera adormecida.

- Puta que pariu! (se não fosse redator usaria 3 exclamações) Conseguimos escutar o grito do local onde ainda permanecíamos estarrecidos, a uns 30 metros do local.

Dali para o efeito esperado, foi questão de segundos. A mãe do André pagou um belo dum esporro para o autor da merda (Davidson), para o pseudo-dono da ferramenta que produziu a merda (Eu – co-autor) e para o engraçadinho ao lado que não conseguia parar de rir da merda feita (Frango - Coadjuvante).

Resultado: mais um esporro para o nosso extenso currículo, mais uma conta para o responsável(4) e uma bela história de final de tarde pra contar.

ps: Há pouquíssimo tempo soube que até hoje o Davidson não usa o carro do pai por causa disso.

1 - Nome peculiar dado a um dos amigos mais fanfarrões a que se têm notícias. Atualmente é economista. Poderia até usar “um respeitável” economista. Mas ele não é digno desta palavra.

2 - Frango, vulgo Franga. Para sempre uma ave siscadeira.

3 - Descrevo aqui uma das personagens-chave da trama. Famigerado bugre do meu pai que já tinha sobrevivido a uma sólida parede (também vermelha) em Saquarema, e estava a ponto de render mais uma história.

4 - Coitado muito exigido pelo filho e por seus algozes para tomar ciência e muitas vezes assinar embaixo (nem que seja nos cheques de prejuízo) as merdas do “filhão”.

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